agosto 30, 2010

Conheça o posicionamento do STJ sobre o excesso de linguagem do juiz

Excesso: aquilo que sobra, que é exagerado, desnecessário. Nos diversos dicionários da Língua Portuguesa, a definição para a palavra é encontrada de forma precisa. Entretanto, na prática jurídica, o conceito pode não ser tão simples de classificar. Atualmente, é rotineiro discutir o excesso de formalismo na linguagem do Direito. Com o movimento crescente de aproximação Judiciário-sociedade, a procura de um discurso jurídico mais acessível ao cidadão tornou-se um objetivo a alcançar. Mas quando se questiona o excesso de linguagem do juiz ao redigir uma sentença de pronúncia? O que seria excessivo?

De acordo com os juristas, na sentença de pronúncia é crucial o uso de linguagem moderada. Não pode o juiz aprofundar o exame da prova a fim de que não influencie os Jurados que são os únicos Juízes do mérito. Assim, quando existem duas versões no processo, o juiz deve apenas mencioná-las, sem emitir qualquer juízo sobre a veracidade deste ou daquele fato. Também não cabe ao juiz analisar a idoneidade de testemunhas.

A posição do magistrado no processo deve ser neutra. Assim, em processos da competência do Tribunal do Júri, a sentença de pronúncia deve ser cuidadosa, para que os jurados não possam inferir nenhum juízo de valor. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), o tema do excesso de linguagem voltou ao debate em um pedido de habeas corpus julgado na Quinta Turma. O caso envolve um acusado de homicídio que obteve a anulação da sentença de pronúncia, uma decisão pouco comum na Casa. A matéria postada no site do Tribunal teve grande repercussão, com mais de 20 mil acessos em julho, mês de recesso forense. Uma demonstração de que a discussão é importante para o meio jurídico e para a sociedade.

No recurso de relatoria do ministro Jorge Mussi, a defesa de Valmir Gonçalves alegou que a forma como a sentença do juiz de primeiro grau foi redigida poderia influenciar negativamente o Tribunal do Júri. Os advogados argumentaram que a decisão singular continha juízo de valor capaz de influenciar os jurados contra o réu.

O ministro acolheu a tese em favor da defesa e anulou a decisão de pronúncia com base na lei que permite aos jurados acesso aos autos e, consequentemente, à sentença de pronúncia. “Nesse caso, é mais um fator para que a decisão do juízo singular seja redigida em termos sóbrios e técnicos, sem excessos, para que não se corra o risco de influenciar o ânimo do tribunal popular”, concluiu Mussi.

Em um artigo sobre o tema do excesso de linguagem, o doutor em Direito Penal Luiz Flávio Gomes comentou esta decisão do STJ: “A Constituição expressamente impõe ao Tribunal do Júri (formado por jurados leigos) a competência, com soberania dos veredictos, para o julgamento dos crimes contra a vida. Portanto, na análise dos fatos e das condições em que eles ocorreram, o juiz da primeira fase, bem como o juiz presidente, não devem fazer qualquer apreciação. No momento de pronunciar o réu, ele apenas faz um juízo de admissibilidade de provas sobre a materialidade e indícios de autoria, mas juízo de valor e de reprovação, cabe aos jurados. Desse contexto se conclui que o juiz togado deve se portar de maneira que, com suas decisões ou comportamentos no Plenário, não influencie os juízes naturais, que são leigos”.

Para o magistrado, a decisão da Quinta Turma, determinando a elaboração de uma nova sentença de pronúncia, reconheceu a chamada “eloquência acusatória” do magistrado na linguagem empregada na sentença. “É importante observar que o contexto desta decisão do STJ exige uma postura isenta e mais imparcial do juiz. A imposição não advém porque o ordenamento jurídico queira que um julgador deixe de lado suas pré-compreensões de maneira a se tornar um sentenciante isento de qualquer análise humanística e meritória (simplesmente porque juízes não são máquinas). É que no âmbito do Tribunal do Júri essa análise não é de sua competência, mas dos jurados. Daí a anulação da decisão. Tudo em conformidade com a Lei Maior. A “eloquência acusatória” não está autorizada ao juiz. O sistema acusatório dividiu bem as funções de cada um: o Ministério Público acusa, o advogado defende e o juiz julga. Não cabe ao juiz cumprir o papel de acusador”, finalizou o jurista.

Nova redação da Lei, polêmica à vista

A reforma do Código de Processo Penal (CPP), precisamente a Lei nº 11.689 de 2008, abriu caminho para que o tema do excesso de linguagem ganhe, cada vez mais, espaço para ser debatido no Tribunal da Cidadania. Essa lei alterou o procedimento relativo aos crimes dolosos contra vida. O antigo parágrafo 1.º do art. 408 passou a ter a seguinte redação: "Art. 413. (...) § 1.º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria e participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena".

A razão de ser desse dispositivo foi evitar que a pronúncia se transformasse em peça de acusação, pois a indicação da certeza de autoria poderia influenciar o Conselho de Sentença. Todavia, o entendimento sobre as alegações de excesso de linguagem do juiz não são unânimes. O próprio Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento de que não haveria mais interesse de agir em recurso contra decisão de pronúncia por excesso de linguagem, sob o argumento de que, com a reforma da lei, não existiria mais a possibilidade de leitura da sentença de pronúncia quando dos trabalhos no Plenário do Júri.

Entretanto, o artigo 480 do CPP acena para a possibilidade de os jurados efetivamente lerem a pronúncia. Caso algum deles não se sinta habilitado para proferir o veredicto, poderá ter vista dos autos, desde que a solicitem ao juiz presidente. Portanto, o novo sistema não impediu o contato dos jurados com a decisão de pronúncia. Ao contrário, ainda permanece a necessidade de utilização, pelo juiz togado, de um discurso sóbrio e comedido. Por isso, o STJ segue analisando a questão do excesso de linguagem nos recursos que recebe, mesmo após as inovações introduzidas pela Lei 11.689/08.

Um argumento, muitos casos

Levando em conta todas essas nuances, uma decisão monocrática do ministro Nilson Naves concedeu, em parte, uma liminar para desmembrar o processo contra o traficante Fernandinho Beira-Mar. O ministro reconheceu que houve excesso de linguagem no acórdão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS), que fez uso de expressões linguísticas que poderiam vir a influenciar os jurados. Em função disso, determinou que o documento fosse desmembrado dos autos da ação penal e colocado em envelope lacrado, “sendo vedada sua utilização no júri”. Foi a solução que Naves encontrou para não suspender o julgamento do réu. “Ao invés de suspender o júri marcado há tempo, como pretendia a defesa, creio que o melhor seja vedar a leitura de tal peça em plenário, de forma a evitar possível nulidade do julgamento”.

Mas nem sempre a tese do excesso de linguagem é acolhida. Em março desse ano, a Quinta Turma do STJ negou um pedido de habeas corpus em favor do empresário Daniel Dantas para afastar o juiz Fausto Martin de Sanctis do processo. A defesa de Dantas argumentou que haveria suspeição contra o juiz de Sanctis porque ele estaria vinculado emocionalmente ao caso e, também, excesso de linguagem dele ao redigir a sentença, que fez um juízo depreciativo sobre o réu. Todavia, o ministro Arnaldo Esteves Lima não acolheu o pedido, ressaltando que não encontrou dúvidas em relação à imparcialidade do magistrado suficientes para justificar a suspeição.

Também foi da Quinta Turma a decisão que negou o pedido de habeas corpus em favor do assassino de três garotas condenado à pena de 75 anos de prisão. A defesa de Antônio Carlos Faria alegou nulidade da pronúncia em razão de excesso de linguagem, mas a Turma, com base no voto da ministra Laurita Vaz, manteve a sentença condenatória.

Em outro habeas corpus, o presidente do STJ, ministro Cesar Asfor Rocha, manteve a data de julgamento pelo Tribunal do Júri de uma jovem acusada de matar a mãe adotiva. Em sua defesa, ela alegou excesso de linguagem na sentença de pronúncia no que se referia à autoria do crime e à qualificadora. Todavia, Asfor Rocha não encontrou ilegalidade na decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC), que já havia indeferido o pedido em favor da ré.

Os ministros da Sexta Turma negaram um pedido de habeas corpus em favor de Éder Douglas Santana Macedo. Ele é acusado de matar pai e filho no aeroporto internacional de Brasília, um crime que chocou a cidade. No recurso julgado pelo STJ, a defesa sustentou que as qualificadoras do homicídio não estariam adequadamente fundamentadas, pois teria havido excesso de linguagem. Porém, o relator do processo, ministro Og Fernandes, não viu excesso de linguagem na acusação contra Éder, uma vez que o documento se baseou exclusivamente nos autos e ficou dentro dos limites da normalidade.

Outro caso que mobilizou o país também foi analisado sob o prisma da inadequação da linguagem utilizada pelo juiz. Os advogados do casal Nardoni recorreram ao STJ com um pedido de habeas corpus contestando a decisão de primeiro grau que decretou a prisão preventiva e o acolhimento da denúncia contra os réus. A defesa alegou excesso de linguagem, criticou o laudo pericial e o trabalho de investigação da polícia. Mas a Quinta Turma negou o pedido e o casal acabou condenado pelo Tribunal do Júri.

A defesa de um médico acusado de matar a esposa, que pretendia se separar dele, também apelou ao STJ pedindo a anulação da decisão de pronúncia fazendo uso da tese do excesso de linguagem, que evidenciaria a parcialidade do julgador. Contudo o relator do habeas corpus, ministro Felix Fischer, afirmou que a decisão apenas indicou os elementos acerca da existência do crime e os indícios de autoria por parte do médico, não estabelecendo antecipadamente um juízo condenatório em desfavor do réu.

O policial militar Jair Augusto do Carmo Júnior não conseguiu suspender a aça penal instaurada contra ele, com o objetivo de evitar a realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri pelo assassinato da namorada. O então presidente do STJ, ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, indeferiu a liminar na qual se alegava que a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) possuía excesso de linguagem, pois, de forma analítica, expôs as provas dos autos, o que seria capaz de influenciar os jurados. O ministro não concedeu o habeas corpus, ressaltando que o acórdão do TJSP “somente explicitou os motivos que levaram ao convencimento quanto à necessidade da realização de novo julgamento do paciente, não tendo o poder de influenciar o ânimo dos jurados”.

Muito embora o STF, em recente julgado de 2009 (HC 96.123/SP, Rel. Min. Carlos Brito), tenha entendido que a nova lei impossibilita as partes de fazer referências à sentença de pronúncia durante os debates, eliminando o interesse de agir das impetrações que alegassem excesso de linguagem, existe a norma do novo art. 480 do CPP, permitindo aos jurados a oportunidade de examinar os autos logo após encerrados os debates, o que, em tese, justificaria tal interesse. Ou seja, o Tribunal da Cidadania provavelmente ainda vai se deparar com muitos pedidos de habeas corpus relativos ao tema para apreciar. A polêmica continua.

agosto 28, 2010

Família de Caio Mário doa biblioteca do jurista ao STJ

A família do jurista Caio Mário da Silva Pereira, falecido em janeiro de 2004, doou nesta quinta-feira (26) à biblioteca Ministro Oscar Saraiva do Superior Tribunal de Justiça (STJ) os 4.100 livros que compunham o acervo de obras jurídicas do professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, um dos maiores civilistas do Direito brasileiro.

A filha do jurista e também advogada Tânia da Silva Pereira, ao formalizar a doação perante o presidente do STJ, ministro Cesar Asfor Rocha, afirmou que estava cumprindo uma das últimas vontades do pai, que era tornar sua biblioteca jurídica acessível a estudantes, advogados e magistrados.

Entre os mais de 4 mil livros já catalogados do acervo de Caio Mário, estão raridades como uma edição especial do Código Napoleônico de 1804 e um Dicionário Capipinus do século 17, em 11 idiomas. Ao recebê-los, Cesar Rocha agradeceu o gesto “impregnado da nobreza e do altruísmo que caracterizavam” o jurista, que, “junto com o grande Orlando Gomes, Pontes de Miranda, Washington de Barros Monteiro, entre outros juristas que já nos deixaram, integrou a constelação de grandes civilistas que dignificaram o nosso Direito”.

O mineiro Caio Mário da Silva nasceu em Belo Horizonte, em 1913, e formou-se em Direito aos 22 anos, quando assumiu a advocacia e passou a lecionar na Universidade Federal de Minas Gerais, onde teve alunos como o ex-presidente do STJ, ministro Nilson Naves, conforme lembrou Cesar Rocha, durante agradecimento à família, representada pelos filhos Tânia e Sérgio e por três netos.

Caio Mário foi consultor-geral da República do presidente Jânio Quadros, atuou nos tribunais superiores brasileiros e em arbitragens internacionais. “No período da repressão, com a autoridade moral de presidente do Conselho Federal da OAB, teve presença marcante na luta pelos direitos humanos e o estado democrático de direito”, lembrou Cesar Rocha.

Além da família e amigos, como o também jurista Sérgio Bermudes, prestigiaram a solenidade os ministros do STJ Herman Benjamin, Sidnei Beneti, Napoleão Maia Filho, Isabel Gallotti, Maria Thereza de Assis Moura, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino e o desembargador convocado Vasco Della Giustina.

agosto 25, 2010

O Novo Divórcio e o Que Restou do Passado - Autor: Zeno Veloso

Para bem entender e compreender a Emenda Constitucional nº 66/2010, que deu nova redação ao art. 226, § 6º, da Constituição Federal, não basta fazer uma leitura simplesmente literal ou dar uma interpretação gramatical ao texto, sendo absolutamente necessário, neste caso, para alcançar e apreender a mens legis, fazer uma análise histórica da figura do divórcio no Brasil, buscar as razões políticas e sociológicas que inspiraram a mudança recentemente ocorrida.

Vigorava o art. 226, § 6º, da Constituição de 1988, com a redação seguinte: "O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos".

Em que contexto temos de inserir a norma acima transcrita? Ela é resultado, ainda, da Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977, que incidiu sobre a Constituição de 1967/69, dando nova redação ao art. 175, § 1º, da mesma, dispondo: "O casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos". Essa EC nº 9/1977 aboliu o vetusto e anacrônico princípio da indissolubilidade do casamento que, por décadas e décadas, vigorou em nosso país. No mesmo ano, em 26 de dezembro de 1977, foi promulgada a Lei nº 6.515, conhecida como Lei do Divórcio, que veio regulamentar a aludida EC nº 9/1977, tratando dos casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos.

Depois de uma luta que perdurou por longos anos, e que teve como paladino o grande e saudoso Senador Nélson Carneiro, o divórcio, finalmente, havia sido introduzido, entre nós. Porém, como afirmou diversas vezes Nélson Carneiro, para que se atingisse o objetivo e a vitória, algumas concessões tiveram que ser feitas. Assim sendo, o divórcio, em regra, não podia ser requerido, diretamente, pelos interessados, que tinham antes, de passar, digamos, por um "estágio probatório". Inicialmente, deviam os cônjuges, cujo casamento faliu ou acabou, que se separar de direito e, depois, passado um ano - que no caso deles era um tempo longuíssimo, que não acabava jamais -, de promover a conversão da separação em divórcio. A única hipótese para que o divórcio pudesse ser obtido, desde logo, era a comprovada separação de fato do casal por mais de dois anos.

Em razão daquele preceito estampado no art. 226, § 6º, da Carta Magna, o Código Civil dedicou um capítulo - arts. 1.571 a 1.582 - à dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, ficando estabelecido que a separação de direito terminava com a sociedade conjugal - e equivalia ao velho desquite - e que o divórcio dissolvia o casamento, rompia o vínculo matrimonial.


Desde que admitido o divórcio, a separação de direito significa um meio, um caminho para obtê-lo, com vistas, afinal, a desfazer o casamento e permitir que os interessados se libertassem do laço que os prendia, formalmente, e partissem para nova experiência afetiva, na busca da felicidade, que é um direito natural.


E os juristas de ponta do Brasil sempre criticaram a manutenção dessa via dupla para a obtenção do divórcio, com multiplicação de processos, de burocracia, de despesas, com a reiteração de angústias e desencontros, até que se chegasse ao fim do caminho. Era um verdadeiro calvário.


A PEC (Projeto ou Proposta de Emenda Constitucional) nº 28, de 2009, que redundou na Emenda Constitucional nº 66/2010, teve o determinado e explícito objetivo de terminar com tudo isso e simplificar as coisas. Isso foi dito, com toda a franqueza e lealdade, sem deixar nenhuma dúvida ou entredúvida, na Justificativa da PEC, devidamente publicada no Diário Oficial, muitas vezes mencionada durante toda a fase de discussões, debates, até a votação. A imprensa - por todos os meios de comunicação - em vários momentos noticiou a matéria e, quase sempre, acentuando os objetivos da mudança. Tudo ocorreu às claras, com a finalidade bem definida, sem omitir nada e coisa alguma. O que sempre se pretendeu e queria era, realmente, imprimir uma notável alteração neste tema, atendendo a uma aspiração sentida no meio social.


Depois de aprovada e promulgada a EC nº 66/2010, jornais, rádios, televisão e outros meios informais de transmissão de notícias, pensamentos e opiniões disseram que um novo e importante momento da vida jurídica nacional havia sido inaugurado. Repetiu-se o que constava na Justificativa da PEC, nos pareceres dos Relatores, e que, ressalte-se, foi o que os congressistas votaram, e sabendo o que estavam votando, tantas discussões, debates e esclarecimentos ocorreram.


Não obstante, apareceram algumas opiniões, respeitáveis, mas minoritárias, dando uma extensão bem menor e uma eficácia muito limitada ao texto que, afinal, ficou constando no art. 226, § 6º, da Constituição.


Já transcrevi, acima, o que outrora dizia o dispositivo. Por força da EC nº 66/2010, o art. 226, § 6º, ficou com a seguinte redação: "O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio".


É óbvio que não se pode dar a este preceito uma interpretação angusta, miúda, acanhada, tomando por base, somente, a expressão verbal da norma. Evidentemente, a EC nº 66/2010, não quis, tão-somente, estabelecer que o divórcio, agora, pode ser obtido sem mais prazo algum, sem que se tenha de alegar alguma causa, nem apontar qualquer motivo, e sem ter de ser antecedido de uma separação de direito, ou de uma separação de corpos que tenha durado mais de dois anos. Seria até importante, mas seria pouco e muito pouco se fosse só isso.


Quis o legislador constitucional - e deliberadamente, confessadamente quis - que a dissolução da sociedade conjugal e a extinção do vínculo matrimonial ocorram pelo divórcio, que passou a ser, então, o instituto jurídico único e bastante para resolver as questões matrimoniais que levam ao fim do relacionamento do casal. Sem dúvida, ocorreu a simplificação, a descomplicação do divórcio no Brasil, o que levou algumas pessoas a proclamar que chegara o fim do casamento. Exagero! Não é pelo fato de o divórcio estar facilitado que alguém que ama o seu cônjuge e que é feliz no casamento vai requerer o divórcio, só porque este ficou mais ágil, mais singelo.


Se a separação de direito persistia no sistema com o fim, o objetivo de viabilizar o divórcio, como um veículo, um meio, um caminho para tal, e se o divórcio, agora, pode ser obtido pura e simplesmente, a todo o tempo, sem qualquer restrição, que valor, razão, utilidade teria manter-se, paralelamente, a anacrônica figura da separação de direito?


Tenho ouvido dois argumentos. O primeiro, de que a pessoa pode ser muito religiosa e, conforme a fé que professa, o casamento é indissolúvel, é um sacramento, como no caso dos católicos. Ora, o divórcio de que estou tratando é o que dissolve o casamento civil. A questão religiosa, embora extremamente respeitável e importante, é de outra esfera. Diz respeito aos crentes e aos padres, pastores, rabinos e outros religiosos. Analiso a questão como operador jurídico. Outro argumento é o de que a separação de direito deveria continuar no ordenamento, como alternativa, para que o casal pudesse melhor refletir, deixar passar algum tempo e resolver, afinal, se iria se reconciliar ou buscar o divórcio. O argumento prova demais, porque quem se divorcia não precisa ficar divorciado a vida inteira. Se se arrepender, basta casar, novamente, com a mesma pessoa de quem se divorciou, começar uma nova vida matrimonial. E casar é rápido, é fácil e, até, barato.


Em síntese: numa interpretação histórica, sociológica, finalística, teleológica do texto constitucional, diante da nova redação do art. 226, § 6º, da Carta Magna, sou levado a concluir que a separação judicial ou por escritura pública foi figura abolida em nosso direito, restando o divórcio que, ao mesmo tempo, rompe a sociedade conjugal e extingue o vínculo matrimonial. Alguns artigos do Código Civil que regulavam a matéria foram revogados pela superveniência da norma constitucional - que é de estatura máxima - e perderam a vigência por terem entrado em rota de colisão com o dispositivo constitucional superveniente.

Zeno Veloso é Professor de Direito Civil e Direito Constitucional; doutor honoris causa da Universidade da Amazônia; notório saber reconhecido pela Universidade Federal do Pará; Membro da Academia Paraense de Letras Jurídicas e da Academia Brasileira de Letras Jurídicas; Medalha do Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados; Voto de Louvor do Senado Federal; Diretor Regional do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM.

agosto 25, 2010

União entre pessoas do mesmo sexo volta a ser tema de debate em recurso no STJ

A união estável entre pessoas do mesmo sexo voltou a ser tema de debate no Superior Tribunal de Justiça (STJ), num julgamento que se encontra com pedido de vista na Quarta Turma. Em recurso interposto ao STJ, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) pede a mudança de ação declaratória de reconhecimento de união estável homoafetiva acatada pelo juízo de primeira instância, naquele estado. A decisão considerou a ação declaratória o instrumento jurídico adequado para reconhecimento da existência desse tipo de parceria, contanto que fique provado entre os envolvidos, os pressupostos próprios de uma entidade familiar - o que é contestado pelo MPRS.

Para os representantes do Ministério Público, a decisão deve ser anulada porque partiu da vara de família e sucessões, enquanto o juízo competente para tal deveria ser a vara cível. O motivo alegado para que a competência, no caso em questão, seja da vara cível é o fato do MPRS entender que a parceria se trata de "sociedade de fato e não, de união estável".

Os autores da ação declaratória alegam manter, desde 1990, relação de afeto pacífica e duradoura e contribuir financeiramente, de forma conjunta, para a manutenção da casa onde moram, em um verdadeiro contexto de família. Além disso, na referida ação, declararam, expressamente, "a convivência e o interesse em deixar um para o outro todo o patrimônio de que possam dispor entre si, incluindo benefícios previdenciários".

Analogia

Ao ler o seu voto na Quarta Turma, o relator do recurso, João Otávio de Noronha, votou pela rejeição ao recurso, mantendo a decisão que beneficia o casal homossexual. O ministro afirmou, em seu voto, que a Lei de Introdução ao Código Civil já declarou, nos seus artigos 4º. e 5º., a existência de união estável entre os autores recorridos, "fazendo incidir ao caso, por analogia, as normas legais que regem o relacionamento entre um homem e uma mulher que vivem em idêntica situação".

Por conta disso, o ministro considerou que sendo reconhecida a parceria homoafetiva como entidade familiar, o pedido de declaração da união estável é da competência da vara de família sim, e não da vara cível, como apregoou o Ministério Público.

Obrigações

O relator ressaltou, ainda, a importância de registrar que, se não há no ordenamento jurídico brasileiro nenhuma norma que acolha as relações entre pessoas do mesmo sexo, por outro lado não há, também, nenhuma que proíba esse tipo de relacionamento. "Não se pode negar, a esta altura, que a união homossexual é uma realidade que merece reconhecimento jurídico, pois gera direitos e obrigações que não podem ficar à margem da proteção estatal. O Direito precisa valorizar tais relações sociais e não pode ficar estático à espera da lei", complementou.

Na última sessão que tratou do julgamento, após o voto do relator - que negou provimento ao pedido do MPRS - e do ministro Luis Felipe Salomão (que votou de acordo com o entendimento do relator), pediu vista do recurso o ministro Raul Araújo Filho. Aguardam, também, para pedir vista, os ministros Maria Isabel Gallotti e Aldir Passarinho Júnior.

agosto 23, 2010

Texto de Arnaldo Jabor sobre o MSN

Sempre odiei o que a maioria das pessoas fazem com os seus MSN's.
Não estou falando desta vez dos emoticons insuportáveis que transformaram a leitura em um jogo de decodificação, mas as declarações de amor, saudades, empolgação traduzidas através do nick.

O espaço 'nome' foi criado pela Microsoft para que você digite O NOME que lhe foi dado no batismo. Assim seus amigos aparecem de forma ordenada e você não tem que ficar clicando em cima dos mesmos pra descobrir que 'Vendo Abadá do Chiclete e Ivete' é na verdade Tiago Carvalho, ou 'Ainda te amo Pedro Henrique' é o MSN de Marcela Cordeiro. Mas a melhor parte da brincadeira é que normalmente o nick diz muito sobre o estado de espírito e perfil da pessoa. Portanto, toda vez que você encontrar um nick desses por aí, pare para analisar que você já saberá tudo sobre a pessoa...

'A-M-I-G-A-S o fim de semana foi perfeito!!!' acabou de entrar. Essa com certeza, assim como as amigas piriguetes (perigosas), terminou o namoro e está encalhadona. Uma semana antes estava com o nick 'O fim de semana promete'. Quer mostrar pro ex e pros peguetes (perigosos) que tem vida própria, mas a única coisa que fez no fim de semana foi encher o rabo de Balalaika, Baikal e Velho Barreiro e beijar umas bocas repetidas.

O pior é que você conhece o casal e está no meio desse 'tiroteio', já que o ex dela é também conhecido seu, entra com o nick 'Hoje tem mais balada!', tentando impressionar seus amigos e amigas e as novas presas de sua mira, de que sua vida está mais do que movimentada, além de tentar fazer raiva na ex.
>'Polly em NY' acabou de entrar. Essa com certeza quer que todos saibam que ela está em uma viagem bacana. Tanto que em breve colocará uma foto da 5ª Avenida no Orkut com a legenda 'Eu em Nova York'. Por que ninguém bota no Orkut foto de uma viagem feita a Praia-Grande - SP ?

'Quando Deus te desenhou ele tava namorando' acabou de entrar. Essa pessoa provavelmente não tem nenhuma criatividade, gosto musical e interesse por cultura. Só ouve o que está na moda e mais tocada nas paradas de sucesso. Normalmente coloca trechos como 'Diga que valeuuu' ou 'O Asa Arreia' na época do carnaval.(huahauah pagode)

Por que a vida faz isso comigo?' acabou de entrar. Quando essa pessoa entrar bloqueie imediatamente. Está depressiva porque tomou um pé na bund.a e irá te chamar pra ficar falando sobre o ex.

' Maria Paula ocupada prá c** ' acabou de entrar. Se está ocupada prá c**, por que entrou cara-pálida? Sempre que vir uma pessoa dessas entrar, puxe papo só pra resenhar; ela não vai resistir à janelinha azul piscando na telinha e vai mandar o trabalho pro espaço. Com certeza.

'Paulão, quero você acima de tudo' acabou de entrar. Se ama compre um apartamento e vá morar com ele. Uma dica: Mulher adora disputar com as amigas. Quanto mais você mostrar que o tal do Paulão é tudo de bom, maiores são as chances de você ter o olho furado pelas sua amigas piriguetes (perigosas).

'Marizinha no banho' acabou de entrar. Essa não consegue mais desgrudar do MSN. Até quando vai beber água troca seu nick para 'Marizinha bebendo água'. Ganhou do pai um laptop pra usar enquanto estiver no banheiro, mas nunca tem coragem de colocar o nick 'Marizinha matriculando o moleque na natação'.

' < . ººº< . ººº< / @ || e $ $ ! || |-| @ >ªªª . >ªªª >' acabou de entrar. Essa aí acha que seu nome é o Código da Vinci pronto a ser decodificado. Cuidado ao conversar: ela pode dizer 'q vc eh mtu déixxx, q gosta di vc mtuXXX, ti mandá um bjuXX'.

'Galinha que persegue pato morre afogada' acabou de entrar. Essa ai tomou um zig e está doida pra dar uma coça na piriguete que tá dando em cima do seu ex. Quando está de bem com a vida, costuma usar outros nicks-provérbios de Dalai Lama, Lair de Souza e cia.

'VENDO ingressos para a Chopada, Camarote Vivo Festival de Verão, ABADÁ DO EVA, Bonfim Light, bate-volta da vaquejada de Serrinha e LP' acabou de entrar. Essa pessoa está desesperada pra ganhar um dinheiro extra e acha que a janelinha de 200 x 115 pixels que sobe no meu computador é espaço publicitário.

'Me pegue pelos cabelos, sinta meu cheiro, me jogue pelo ar, me leve pro seu banheiro...' acabou de entrar. Sempre usa um provérbio, trecho de música ou nick sedutores. Adora usar trechos de funk ou pagode com duplo sentido. Está há 6 meses sem namorar e está doida prá arrumar alguém. 'Danny Bananinha' acabou de entrar. Quer de qualquer jeito emplacar um apelido para si própria, mas todos insistem em lhe chamar de Melecão. Adora se comparar a celebridades famosas, botar fotos tiradas por si mesma no espelho com os peitos saindo da blusa rosa. Quer ser famosa. Mas não chegará nem a figurante do Linha Direta.

Bom é isso, se quiserem escrever alguma mensagem, declaração ou qualquer coisa do tipo, tem o campo certo em opções 'digitem uma mensagem pessoal para que seus contatos a vejam' ou melhor, fica bem embaixo do campo do nome!!

agosto 19, 2010

Tiririca - Deputado. O retrato do Brasil em Campanha Eleitoral

Tiririca - Deputado. O retrato do Brasil em Campanha Eleitoral

Caros amigos, tenho relutado bravamente em falar de política aqui nesse Blog por duas razões: primeiro porque estou cada vez mais decepcionado com os políticos brasileiros, em segundo lugar, porque estou ainda mais decepcionado com o povo brasileiro, que elege e volta a eleger os mesmos nomes.
Sinceramente falando, me parece que ultrapassamos o limite do absurdo em termos políticos, e que, diante de tal quadro surreal, seria necessário escolher personagens surreais para os cargos públicos.

Sugiro que vejam o vídeo abaixo sobre alguns candidatos "famosos" e pensem um pouco se tenho ou não razão:
http://www.youtube.com/watch?v=tfTFZQDwJQc

Tiririca na Câmara dos Deputados seria, no mínimo, divertido!

agosto 19, 2010

TUTELA JURÍDICA DA IDENTIFICAÇÃO DO NEONATO Autor: Eduardo Henrique Alferes

Individualizar alguém é particularizar um indivíduo, ser humano, distinguindo-o dos demais, podendo ser por meio da descrição física, do nome, de uma veste, um adereço, etc. Individualização, em regra, não se dá por meio de critérios técnicos, ou seja, não é lastreada em métodos aceitos como científicos, capazes de levar tal particularização do indiivíduo ao ponto de torna-lo único, inconfundível, com um conjunto de características analisadas não encontradas em nenhum outro. Esses nível de detalhes, ou critérios, são características da identificação, que nada mais é que o processo através do qual se determina a identidade de uma pessoa, sendo observadas as características intrínsecas do indivíduo, não alteráveis pelo meio social, tempo ou outro fator externo. Como exemplo de métodos de identificação, temos as impressões digitais, o DNA, etc.

Tais conceitos são pertinentes ao analisarmos os vínculos existentes entre mãe e filho, principalmente nos instantes que se seguem ao parto, no período em que a criança é afastada da mãe, para procedimentos como limpeza, avaliação médica, encaminhamento para atendimento especial, etc.. Nesse momento é que há maior facilidade de ocorrer troca acidental de bebês, ou mesmo ação criminosa intentando a subtração desse. Tais eventos são atentatórios aos mais antigos e básicos vínculos da existência humana: a ligação entre mãe e filho, o início dos vínculos familiares mais comezinhos do ser humano. Nesse aspecto é que se ambienta a identificação do recém-nascido e da mãe, visando registrar a identificação de ambos correlacionando-os.

Diante desse contesto, com a necessidade de estabelecer meios e mecanismos de proteção a tais vínculos, a legislação infra-constitucional, no art.10,II, inserido no Título II, Capítulo I da Lei 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente, formalmente declarou como direito fundamental (direito à vida e à saúde) a identificação do neonato, criando a obrigatoriedade, por parte dos hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, de identificar o recém-nascido mediante o registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas normatizadas pela autoridade administrativa competente. Portanto, muito mais do que criar uma obrigação (caput do art.10), o Estatuto estabeleceu direitos ao recém-nascido e a mãe, ligados diretamente ao direito à vida e à saúde.

Justamente por estabelecer a identificação do neonato como direito fundamental, o legislador lançou mão da última cartada do sistema legislativo ao estabelecer a criação de norma penal incriminadora, impondo sanção, no art.229/ECA, como forma de proteção do bem jurídico. Fez-se uso do direito penal, ultima ratio, no sistema de controle social, sob a luz do princípio da fragmentariedade e da subsidiaridade, para proteger as normas de identificação do neonato e da mãe, vinculando-os, de forma técnica e precisa, tamanha importancia dada ao tema.

O contéudo do inciso II do artigo 10o , do Estatuto da Criança e do Adolescente, é medida administrativa que o legislador julgou necessária para evitar, sobretudo, troca de bebês nas maternidades, dando maior segurança ao sistema de identificação e individualização dos neonatos.

Assim, o legislador obrigou os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e particulares, a identificar o recém-nascido mediante o registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe.

Quanto a norma de direito penal, o artigo 229 é composto de duas partes, formando duas condutas obrigatórias previstas no art.10, duas figuras típicas. A primeira, a qual mais nos interessa no momento, é “Deixar o médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante de identificar corretamente o neonato e a parturiente, por ocasião do parto, (...)”.

O fato típico descrito na norma consuma-se logo após o nascimento, nos minutos seguintes, pois o objetivo da norma é proteger o neonato e a parturiente da troca de bebês, cuja probabilidade, ao menos por erro, é maior nesse lapso temporal.

No caput do artigo, o elemento subjetivo exige o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente da prática da infração, não sendo necessário nenhuma vantagem ou outra motivação para a conduta de simplesmente “deixar de (...)”. É o verbo central, no sentido de ‘omitir’.

No parágrafo único há a modalidade culposa, com pena reduzida, mediante negligência, imprudência ou imperícia.

O texto refere-se a “deixar de identificar corretamente”. Ora, a nosso ver se o art.10, inc.II determina a obrigatoriedade da identificação do neonato e ainda estabelece a forma como deve ser tal identificação, assim tal norma deve ser considerada como parâmetro para avaliar o que vem a ser correta identificação. Portanto o não cumprimento de norma inserida no artigo 10 gera, consequentemente, a não identificação correta, quer parcialmente (identificar em desacordo com a norma) quer totalmente (não identificar).

Para Guilherme de Souza Nucci(1), identificar significa determinar o conjunto de características individuais de uma pessoa, de modo a torná-la única.

Ainda nas palavras do professor Nucci, o art. 229 “deveria referir-se ao art.10 da Lei 8.069/90 nas duas condutas. Se assim tivesse feito, evitaria o uso da dúbia palavra corretamente, prevista na primeira parte. O que significa identificar o neonato e a parturiente corretamente? É natural que o termo é impróprio para a taxatividade que o tipo incriminador exige, além de ser frugal. Melhor seria a referência feita, de modo mais apurado, no art.10: ‘(...) mediante o registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas normatizadas pela autoridade administrativa competente’. É assim que se identifica corretamente alguém”. O autor ainda declara que “o importante é identificar o neonato pela impressão plantar e digital, assim como de sua mãe, para evitar os transtornos lamentáveis trazidos pela eventual ‘troca de bebês’. ”

Entendemos que, no que se refere à identificação, regulada na primeira parte do artigo, trata-se de crime que admite duas formas de execução, pois o sujeito ativo, para que incorra no crime em tela, pode:

(a) identificar o neonato e a parturiente, porém de forma incorreta, portanto através de uma ação executada incorretamente. Nesse caso, podemos citar a título de exemplo, a identificação do bebê apenas pelas impressões plantares, sem colher as impressões digitais, o que é forma irregular, incorreta de identificação segundo o artigo 10, inc. II do mesmo instituto legal. Portanto nessa forma, há uma espécie de arremedo de identificação, efetivada de maneira incorreta.

(b) não identificar o neonato e a parturiente, assim também deixando de identificar corretamente, ou seja, pela omissão em não identificar, incorre no mesmo crime. Tratamos aqui da hipótese em que há a total omissão em identificar o neonato e a parturiente. Nessa hipótese, não há apenas a identificação incorreta, mas a não identificação (... de forma alguma). É natural supor que a não identificação também é crime, pois seria logicamente inconsistente punir quem identifica incorretamente, mas não quando nada faz, ou seja, não identificada de forma alguma.

Interessante situação é a da impressão plantar do neonato, que, colhida de maneira displicente, sem técnica ou por outro motivo qualquer, muitas vezes se assemelha mais a um borrão, uma mancha de tinta, do que a impressão dactiloscópica da região plantar de um ser humano. Pode-se considerar, dependendo do ponto de vista adotado, como identificação incorreta do recém-nascido, pois mancha de tinta não é colheita de impressão plantar ou digital, ou como não identificação, pois pelos mesmos motivos, borrão não é impressão.

Analisando o tema, o mestre Mário Sérgio Sobrinho(2) ressalta que, há dificuldades por vezes, em coletar as impressões digitais do recém nascido, devido a fragilidade de sua estrutura e a posição flectida que, normalmente, tomam os dedos das mãos das crianças. Porém consideramos que dificuldades em cumprir obrigação imposta em lei, não exime seu cumprimento.

Quanto a norma de direito penal do art.229, a conduta lá estabelecida tem como sujeito ativo o médico, enfermeiro ou o gerente de estabelecimento de saúde. Não necessariamente serão esses que irão pessoalmente identificar o neonato e a parturiente, pois pode ocorrer, conforme a divisão de tarefas na unidade de saúde, que outra pessoa o faça.

Nesse aspecto, da redistribuição de tarefas baseado em procedimentos técnicos ou administrativos da unidade de saúde, há posição doutrinária no sentido de que há ausência de previsão legal a respeito de terceiros, como por exemplo, auxiliar de enfermagem, como responsáveis pela correta identificação do neonato e da parturiente. Assim, conforme essa posição, se outro for o encarregado de concretizar a identificação, pessoa distinta das enumeradas no art.229, não há como serem incriminadas. O tipo é falho. Nessa hipótese, não rara, o médico, por exemplo, torna-se impune, por falta de previsão legal, pois outra foi a pessoa que não identificou. (3)

Não discordamos totalmente da posição apresentada, pois a terceira pessoa, distinta dos sujeitos citados no art.229, obviamente não pode ser incriminada por total falta de previsão legal, tendo em vista o referido artigo ser taxativo no rol dos sujeitos ativos. Porém, nos parece que a norma considera como obrigação do médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante, identificar corretamente o neonato e a parturiente. Pode ser alegada a inviabilidade de um dirigente de estabelecimento de saúde pessoalmente proceder a identificação. Concordamos, porém, prevendo tal fato foi incluído na lei o médico e o enfermeiro. Entendemos que a correta identificação, nos moldes regulados pelo art.229 cc art.10, é de tamanha importância e valorizado pelo legislador, que entregou aos cuidados de pessoas competentes, de nível intelectual e técnico elevado, à tarefa de fazê-lo. Tanto o médico quanto o enfermeiro são profissionais de alto gabarito técnico e científico, de nível superior, cujas funções são essenciais aos serviços de saúde.

Assim, entendemos que, para o legislador brasileiro, a correta identificação do neonato e da parturiente é de tamanha importância que os sujeitos enumerados no artigo 229 do Estatuto da Criança e do Adolescente devem ser os profissionais encarregados de efetuar a identificação correta. Se, por questões operacionais, outro profissional fizer a coleta das impressões, por exemplo o auxiliar de enfermagem, deve o médico, enfermeiro ou dirigente, supervisionar e acompanhar, responsabilizando-se pelos atos, não de terceiros, o que seria um absurdo jurídico, pois nos aproximaríamos da imputação objetiva (sistema não adotado no Brasil), mas de seus próprios atos, pois são os responsáveis quer pessoalmente colhendo ou fazendo com que seja colhido, por meio de sua supervisão direta, por exemplo.

Fazendo uma comparação, seria como esperar que um juiz, ao prolatar a sentença, fundamentando-a, tivesse obrigatoriamente de digitá-la, imprimir, etc. Ora, é indiscutível que o responsável pela decisão é o juiz, e a isso se agrega todo tipo de responsabilidade decorrente desse ato. Assim, o responsável pela identificação são aqueles elencados no artigo 229, sem a menor hipótese de transferir tais responsabilidades para terceiros.

Nesses casos, não havendo dolo na ‘delegação’ a terceiros, ou seja, na falta de supervisão a pessoa delegada, quanto ao médico, enfermeiro ou dirigente, esses responderão na forma do art.229, parágrafo único, ou seja, na forma culposa.

Segundo Wilson Donizeti Liberati (4), comentando o referido artigo, diz que o sujeito ativo é o médico, enfermeiro ou dirigente, que pratica uma das ações delituosas previstas no tipo, e ainda que, nesse caso, só há omissão relevante quando o sujeito, tendo o dever jurídico de agir, se abstém do comportamento. Assim, entendemos que os sujeitos ativos citados, tem o dever legal, estabelecido no próprio texto do artigo 229, de identificar corretamente o neonato e a parturiente, independentemente da divisão de funções estabelecidas pelo estabelecimento de saúde, ou secretaria de saúde. Pois tal incumbência ou responsabilidade, foi estabelecida pela Lei (8.069/90), inclusive sua omissão é considerada crime.

Assim, entendemos que incorre no crime tipificado no artigo 229 o médico, enfermeiro ou dirigente que deixar de identificar corretamente o neonato (ou seja, identificar em desacordo com o artigo 10, visando métodos incorretos, que tecnicamente equivalem a não identificar) ou deixar de identificar o neonato.

Interessante notarmos que pode ocorre em hospitais, casas de saúde, ou congêneres (estabelecimentos de atenção à saúde de gestante) a “identificação” totalmente em desacordo com a norma do artigo 10, por exemplo, utilizando uma denominação mais precisa para o caso, individualizando (e não identificando) o bebê com pulseiras com seu nome, número, cores ou outro código, ou colocando simplesmente uma etiqueta em seu berço ou incubadora. Ora, há a individualização e não a “identificação”, mas tal forma, comumente utilizada em nosso país, a nosso ver, é deixar de identificar o neonato, pois não cumpre a norma do art.10, não podendo ser considerado identificação incorreta, mas não identificação.

Tais atos podem ser considerados aptos a uma superficial individualização do neonato, mas não a identificá-lo, pois tal instituto requer procedimento técnico atrelado a método científico apto a tal fim.

O próprio artigo 10, inc.II / ECA, ao determinar a obrigatoriedade da identificação do recém-nascido mediante o registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe, cita que tais procedimentos deverão ser levados a efeito sem prejuízo de outras formas normatizadas pela autoridade administrativa competente.

Ora, as referidas “outras formas” podem ser o bracelete de identificação, fotográfica do neonato, livro de registro e verificação dos dados do bracelete do recém-nascido ao entrar e sair da sala de parto ou berçário, etc. Todos esses procedimentos, que na área de saúde são invariavelmente denominados de “condutas de segurança”, ou “condutas de identificação”, são procedimentos louváveis, granfes auxiliares na segurança, porém são apenas facilitadores de uma rápida individualização, e não aptos a identificação, pois essa última depende de critérios científicos, seguros, imutáveis, o que não ocorre em tais condutas. Melhor então seria utilizar o termo “condutas de individualização”.

De qualquer forma, tais facilitadores não podem, ao menos legalmente, substituir o preceituado na lei, qual seja, o artigo em análise. Como já salientado, são coadjuvantes, auxiliares, na busca da segurança relacionada com os direitos do neonato e da mãe.

Nesse sentido é interessante notar-mos o “Manual de Instruções para Preenchimento da Declaração de Nascido Vivo”, do Ministério da Saúde (5). Segundo o próprio Manual, esse tem como objetivo fornecer instruções para o preenchimento do documento padrão do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), a Declaração de Nascido Vivo, declaração essa decorrente de uma das aplicações da Lei nº 6.015/73. No capítulo “Instruções para preenchimento”, relativo a “identificação”, registra que “Este campo consiste na aposição da impressão digital da mãe e da impressão plantar do recém-nascido na 3ª Via (cor rosa), destinada à Unidade de Saúde.”, e ainda o próprio manual cita que o campo passou a existir para o cumprimento do determinado na Lei nº 8.069/90 (ECA).

Note-se que o próprio formulário de Declaração de Nascido Vivo (DN) não tem campo para coleta de impressão digital do neonato, nem mesmo no Manual de Instruções para o preenchimento há previsão ou citação quanto a digital, destacando-se o fato do próprio manual citar o “cumprimento” do ECA, e tal omissão consta do próprio texto do manual.

Há de se observar que a proteção estabelecida por meio da obrigatoriedade de identificar o recém-nascido e a mãe, está intimamente ligada com a segurança na identificação do neonato, nessa condição, a vinculação desse com sua genitora, e o estabelecimento imediato (logo após o nascimento) de parâmetros técnicos e científicos comprobatórios do nascimento do nascido vivo e sua filiação. Tal prova, pode ser estabelecida muito mais eficientemente, por meio de exame de DNA, porém, o que se pretende com o cumprimento dessas regras de identificação (plantar e digital) é a identificação imediata, rápida, cientificamente aceita, efiente, e sobretudo barata, fator esse preponderante em nosso país.

Assim, a identificação nos moldes do art.10, somada as outras formas normatizadas pela autoridade administrativa competente (ministério da saúde, secretarias, etc.) bem como pelos próprios hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, quando efetivamente seguidos, criam condições favoráveis a diminução da incidência de casos em que bebês são subtraídos, retirados da maternidade, sem consentimento dos pais ou responsáveis. Há polêmica quanto a tipificação do fato, havendo quem defenda a ocorrência do fato tipificado no art.249/CP (subtração de incapaz), outros o art.148/CP (Seqüestro e cárcere privado), e ainda o art.237/ECA, combinados ou não com o art.242/CP, conforme a situação, época do fato e o posicionamento doutrinário adotado.

Indiferentemente da posição adotada quanto a subtração do recém-nascido, tratamos aqui da prevenção, dos métodos e sistemas de individualização (pulseiras, tarjetas, livros de registros, etc.) e identificação (impressões digital e plantar), tudo visando a não ocorrência de fatos que possam causar tamanho trauma familiar e social, qual seja a separação ilegal da mãe de seu filho. Assim, faz-se necessário urgentemente, a aplicação dos dispositivos legais existentes (ECA), tanto no que concerne a norma que cria a obrigação (art.10) quanto a aplicação da norma de natureza penal (art.229), bem como a padronização nacional da individualização e identificação dos neonatos.

(1) NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.222 e 223.

(2) SOBRINHO, Mário Sergio. A identificação Criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.54-55

(3) Essa é a respeitável posição do mestre de Guilherme de Souza Nucci (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.223).

(4) LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 7. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p.244 e 245.

(5) BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Sistema de Informação sobre Nascido Vivo: Manual de Instruções para o Preenchimento da Declaração de Nascido Vivo. Brasília: 3 edição, 2001

EDUARDO HENRIQUE ALFERES é Pós-graduando em Direito Penal pela Escola Superior de Advocacia (ESA-OAB/SP), cursou graduação em Engenharia pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP - Eng. de MInas - 1993 a 1995) e Universidade Federal de Sao Carlos (UFSCar - Eng. Civil - 1996 a 1998). Tornou-se Oficial da Polícia Militar do Estado de S. Paulo, após concluir o Curso de Formação de Oficial da Academia de Polícia Militar do Barro Branco. É bacharel em Ciências Jurídicas (1999 a 2003), possuindo diversos cursos de especialização, e atualmente exerce atividade de Polícia Judiciária Militar.

Fonte: http://www2.oabsp.org.br/asp/esa/comunicacao/esa1.2.3.1.asp?id_noticias=181

agosto 18, 2010

II Congresso Paraibano de Direito Civil e Direito Constitucional

II Congresso Paraibano de Direito Civil e Direito Constitucional



II CONGRESSO PARAIBANO DE DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL
TENDÊNCIAS E TRANSFORMAÇÕES NO DIREITO CONTEMPORÂNEO

16 E 17 de setembro de 2010 na FIEP

CARGA HORÁRIA :20 HRS

16/09/2010


Quinta-feira

18:00 -19:00 - Credenciamento

Painel 1

19:00 -22:00

Expositores

SILVIO DE SALVO VENOSA

Juiz aposentando do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, tendo exercido a magistratura nesse Estado por 25 anos. Publicações do Autor pela Editora Atlas: Código civil anotado e legislação complementar ; Código civil comentado: direito das coisas. Posse. Direitos reais. Propriedade - artigos 1.196 a 1.368 - v. Xii ; Código Civil Interpretado; DIREITO CIVIL: Parte Geral - v. I; DIREITO CIVIL: Contratos em Espécie - v. III; DIREITO CIVIL: Direito da Família - v. VI; DIREITO CIVIL: Direito das Sucessões - v. VII; DIREITO CIVIL: Direito Empresarial - v. VIII; DIREITO CIVIL: Direitos Reais - v. V; DIREITO CIVIL: Responsabilidade Civil - v. IV; DIREITO CIVIL: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos - v. II; INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO: Primeiras Linhas; LEI DO INQUILINATO COMENTADA: Doutrina e Prática; NOVO CÓDIGO CIVIL - Texto Comparado.

Tema: Meios alternativos de solução de conflitos e arbitragem

RODRIGO AZEVEDO TOSCANO DE BRITO

Doutor e Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP. Professor de Direito Civil do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba nos cursos de graduação e pós-graduação. Professor e palestrante convidado para ministrar cursos de pós-graduação em diversas instituições de ensino do País, dentre as quais a Universidade Federal de Pernambuco e as Escolas Superiores da Magistratura. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família na Paraíba - IBDFAM-PB. Membro da diretoria nacional do Instituto Brasileiro de Política e Defesa do Consumidor - BRASILCON.

Tema: Dissolução do casamento após a Emenda Constitucional n. 66/2010 (Emenda do Divórcio)


17/09/2010


Sexta – Feira

Painel 2

09:00 – 12:00

Expositores

THIAGO OLIVEIRA MOREIRA

Graduado em Direito pela UFRN. Professor da UFRN .Tem Experiência na aérea de Direito , com ênfase em Direito Público ,principalmente direito Constitucional,Penal e Processual Penal

Tema : O valor dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos no Ordenamento Jurídico brasileiro: Uma visão crítica das decisões do STF


DIMITRE BRAGA SOARES



Especialista em Direito Processual Civil e Mestre em Direito pela UFPB. Professor de Direito Civil da UFRN, da UEPB, da UNESC e do Curso Preparatório LEXUS. Advogado familiarista.

Tema: Tendências e transformações no Direito Hereditário: Sucessão do Companheiro(a), planejamento ucessório e outros temas.

Painel 3


14:00 – 18:00

Expositores

JOSÉ MARIZ


Graduação em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba . Pós-graduação pela FESP/PB. Presidente da Ordem dos Advogados da Paraíba – Subseção Campina Grande. Professor da UNESC Faculdades. Doutorando na Universidad Del Museo Social Argentino.

Tema: Inegibilidade X Elegibilidade : Novos entendimentos e recentes discurssoes


ADRIANO MARTELETO GODINHO


Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade de Lisboa, Portugal. Mestre em Direito Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais.Graduado pela Faculdade de Direito Milton Campos - Belo Horizonte/MG. Atualmente é Professor Efetivo da UFPB, do IESP , da FESMIP , da FACISA , do LEXUS , da ASPER , da FAP, do CELP. Foi Professor na FEAD em Belo Horizonte/MG ,no IES/FUNCEC e da Universidade Federal de Minas Gerais. Advogado. Autor da obra: A Lesão no Novo Código Civil Brasileiro.

Tema : Direitos da personalidade: novas perspectivas.



OLINDINA IONA COSTA LIMA


Possui graduação em direito pela UEPB. Especialista em Direito Processual Civil pela UEPB. Professora da Universidade Federal de Campina Grande. Doutoranda pela Universidad del Museo Social Argentino.Experiência na área de direito, com ênfase em Direito civil e Prática Forense.
Tema: Os Direitos Da Pré-Infância E O Posicionamento Do STF

Painel 4


19:00 – 22:00 hrs

Expositores

WALBER DE MOURA AGRA

Aperfeiçoamento em Direito pela Benjamin N. Cardozo School of Law, YESHIVA, Estados Unidos. Aperfeiçoamento em Direito pela Università Degli Studio Di Firenze, UNIFI, Itália. Aperfeiçoamento em Direito pela Università Degli Studio Di Firenze, UNIFI, Itália. Doutor em Direito Constitucional pela UFPE /Università degli Studio di Firenze.Mestre em Direito Constitucional pela UFPE.Bacharel em Direito pela UEPB.Visiting Research Scholar of Cardozo Law School. Professor assistente da UNICAP. Professor da SCES. Professor visitante da Università degli Studi di Lecce – Itália. Procurador do Estado de Pernambuco e parecerista. Diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais. Principais publicações: Curso de Direito Constitucional - Editora Forense. Republicanismo- Livraria do Advogado. Comentários à reforma do Poder Judiciário- Editora Forense. A Reconstrução da Legitimidade do Supremo Tribunal Federal. Densificação da Jurisdição Constitucional Brasileira – Forense. Suplemento ao Manual de Direito Constitucional- Revista dos Tribunais.Manual de Direito Constitucional- Editora Revista dos Tribunais.

Tema : Aspectos Constitucionais (Inconstitucionais) Da Lei De Ficha Limpa

HARRISON ALEXANDRE TARGINO

Advogado. Mestre em Direito Processual pela PUC/SP. Professor da UEPB. Membro da Comissão Nacional de Defesa do Poder Judiciário, do Conselho Federal da OAB. Ex‐Procurador Geral do Estado. Ex‐Juiz membro do TRE/PB. Ex‐Secretário de Segurança Pública do Estado da Paraíba.
Tema: O Princípio Constitucional da razoável duração do processo



VALOR DA INSCRIÇÃO :
ESTUDANTE R$ 50,00
PROFISSIONAL R$ 100,00

agosto 15, 2010

Ouviram do Ipiranga (Pasquale Cipro Neto)

Há algum tempo, o ex-jogador de futebol Sócrates disse que a maior emoção que a carreira lhe proporcionou ocorreu na Copa do Mundo de 1982, mais precisamente durante a execução do Hino Nacional antes da primeira partida do Brasil naquela disputa. “A idéia de representar toda a nação brasileira me deixou emocionado”, disse a Marília Gabriela o memorável doutor Sócrates, que capitaneava aquela Seleção e disputava seu primeiro Mundial.

A maioria dos “boleiros” brasileiros tem água de batata na cabeça; Sócrates, no entanto, é lúcido, inteligente, corajoso, culto. E tem percepção política aguda, acutíssima. Que isso tem que ver com o episódio do Hino? A nefanda ditadura militar fez que tivéssemos (os que, de uma forma ou de outra, lutamos contra ela) uma relação complicada com o Hino. Era inevitável que ele nos soasse como propaganda nazifascista, já que os vendilhões da pátria nos enfiavam goela abaixo o “Ouviram do Ipiranga...” para “legitimar” todas as barbaridades que perpetravam contra a Nação.

Irônica e paradoxalmente, usávamos o Hino como escudo, já que acreditávamos numa lenda da época, segundo a qual ninguém podia ser preso ou apanhar da polícia se estivesse cantando o Hino Nacional. Cantávamo-lo. E apanhávamos. E éramos presos.

Um dos dias mais imbecis e lúgubres de minha vida foi o do juramento à bandeira. Em pleno estádio do Pacaembu, onde desfilaram sua arte Pelé, Roberto Dias, Ademir da Guia e o próprio Sócrates, entre outros deuses da bola, um milico de alta patente proferia as besteiras típicas do discurso da época, e milicos de baixa patente distribuíam cacetadas nos juradores que praticávamos o crime de bocejar, porque ouvíamos o que ouvíamos e porque estávamos lá havia muitas horas. O Hino, é claro, engalanou a “festa”.

Quando ouvi a declaração de Sócrates, vieram-me à mente vários desses tristes episódios. É claro que não cometi o despautério doentio de ficar decepcionado com o “Doutor” ou de julgá-lo alienado, o que muitos xiitas devem ter feito. O hino, afinal, é uma das carteiras de identidade de um povo, é um de seus símbolos. Conquanto não morra de amores por símbolos, muito menos pela tosca idéia de patriotismo que ainda grassa no Brasil (prefiro o que diz Vinicius em seu antológico poema “Pátria Minha”), entendo o que sentiu Sócrates. Entendo porque também me emociono quando, em certos momentos de nossa história, o povo se põe a cantar o Hino. É um grito pela busca de uma pátria que, na verdade, não temos ou não é nossa (“Por que te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho pátria...”, diz o texto de Vinicius).

A idéia de trocar duas palavras sobre o Hino Nacional Brasileiro surgiu da quase promessa presente nas últimas linhas do texto anterior, em que comentei a ordem das palavras e das orações como elemento que pode comprometer a compreensão dos enunciados. Vamos, pois, à parte suja da nossa conversa. De início, é preciso deixar claro que não há acento grave no “as” de “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas...”. Por dois motivos: porque não há mesmo (assim está na lei que torna oficial a letra do Hino) e porque com ele o agente de “ouviram” seria indeterminado, interpretação que perde força quando se analisa o contexto. Posta na ordem direta, a primeira oração da letra oficial do Hino se transforma em “As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heróico”. Sim, foram elas, margens, que, metagogicamente (sim, metagogicamente), ouviram o brado retumbante de um povo heróico. A metagoge é um dos nomes que se dão à atribuição de características humanas ao que não é humano. Os outros nomes são “prosopopéia” e “personificação”.

Sobre essa questão, convém citar o que ocorre em uma das versões eletrônicas do “Aurélio”, anterior à lançada em 1999 (“Novo Aurélio Século XXI”). O dicionário dá justamente a primeira oração do Hino Nacional como exemplo de “anástrofe”, figura de sintaxe que define como “inversão, mais ou menos forte, da ordem natural das palavras ou das orações”. Nessa versão, o bendito “as” aparece no exemplo com acento grave, mas a alegria dos que insistem em achar que esse “as” tem mesmo o sinal diacrítico acaba em seguida, quando o próprio dicionário se encarrega de reescrever o trecho na ordem direta: “As margens plácidas do Ipiranga ouviram...”.

Ora, se o “as” tivesse acento grave, a expressão “às margens plácidas do Ipiranga” não iniciaria a ordem direta; encerrá-la-ia (“Ouviram o brado retumbante de um povo heróico às margens plácidas do Ipiranga”). No verbete “anástrofe” do “Novo Aurélio Século XXI” (versão de papel), o exemplo é o mesmo, mas o descompasso foi eliminado. O “as” aparece sem acento, na ordem indireta e na direta.

A letra do Hino Nacional é repleta de inversões. Desmontar as orações e reconstruí-las pode ser um belo exercício de sintaxe e de compreensão desse tipo de texto. E é bom tomar cuidado com o vocabulário, para não achar, por exemplo, que “garrida” tenha algo que ver com “garra”. A garra, guardemo-la para concretizar este trecho do Hino, em que, por sinal, também existe inversão: “Dos filhos deste solo és mãe gentil”. A pátria não tem sido mãe gentil de significativa parcela dos filhos de seu solo.


Pasquale Cipro Neto
(http://www.tosabendomais.com.br/portal/penso-logo-escrevo.php?pagina=Materia&idMateria=7&acao=Ver)

agosto 13, 2010

"Zeca BAleiro - Garden Hotel - Campina Grande" - Por Demétrius Leão

"Zeca BAleiro - Garden Hotel - Campina Grande" - Por Demétrius  Leão

Caros amigos, estou tomando a liberdade de (mais uma vez), reproduzir texto do Blog "Sons, Tempo e Silêncios" (http://sonstempoesilencios.blogspot.com/) do amigo e professor Demétrius Leão. Esta bela postagem fala do recente show impecável de Zeca Baleiro em Campina Grande, por ocasião do Festival de Inveno. Já sou fã de Zeca faz algum tempo, e já havia tido a oportunidade de assistir uma apresentação dele em João Pessoa, mas num show "violão e voz". Dessa vez Baleiro veio com a banda completa, a mesma que tem lhe acompanhado nos seus últimos Cds e nos dois últimos DVDs, dentre os quais se destaca o brilhante "Baladas do Asfalto". Não existe muito a mais para falar depois do texto de Demétrius Leão, apenas utilizar o adjetivo merecido para Baleiro: brilhante!!!
Boa leitura a todos!
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“Se a bebida tivesse liberada aqui dentro, a galera ia subir no palco e colocar o Zeca nos braços!”

Foi o que eu comentei com o amigo Jobson, sentado bem na minha frente, logo na primeira música (“meu amor minha flor minha menina”). Foi quase automático. O auditório do centro de convenções do Garden Hotel se transformou numa verdadeira apoteose. E foi um sambódromo algumas vezes, em outras um festejo com as matracas maranhenses ou um forró em outras partes, um terreiro de candomblé em outras, e um festival de rock ou reggae, ainda em outras. E tudo promovido pelo mesmo Zeca Baleiro.

E tudo foi assim do começo ao fim. Uma grande farra. Se é sempre muito bom sentir quando a platéia está encantada com o que está sendo apresentado no palco, com dedicação, com força, com profissionalismo e com prazer, é muito melhor quando é possível perceber essa dedicação de maneira tão simples como foi no show desse sábado, dia 24 de julho, aqui em Campina Grande.

De fato, Zeca Baleiro é um maranhense ilustre que eu tive oportunidade de ver a primeira vez ao vivo lá, no Maranhão, no teatro Arthur Azevedo, colonial, lindo. Já conhecia alguma das suas músicas, mas a partir daí tudo foi muito mais importante pra mim.

Junto com Lenine, acho que são os dois mais expressivos nomes da música popular masculina contemporânea brasileira. De fato, Zeca, como o pernambucano, tem uma capacidade de criação que é renovada a cada disco, o que também fica muito claro nos seus shows, sempre renovados, mas sempre com músicas impressionantes, com um ritmo que vai da embolada de coco paraibano, às matracas da cultura maranhense, ao forró, ao samba, ao folk, ao lirismo, ao cancioneiro, às baladas.

Junte-se a tudo isso um enorme senso de humor, que faz de suas canções completamente singulares, utilizando termos incomuns, outras vezes até chulos mesmo, coisas bem intrigantes para as poesias e que só ele mesmo para fazer. No novo disco manda a maluca “se danar” (Você não liga pra mim), diz que “esse camarada se androginou” (Bola Dividida), “vontade que dá de mandar o cara tomar naquele lugar...”(Toca Raul) ou então diz (em “Débora”), que foi “babaca paca” e “... vou pra Cancun, teu 171 não me pega mais...” e também diz que “... a prainha degringolou, ta cheio de gringo lá”.
Além disso, diferenciando-se dos outros discos, no atual é bem notável uma presença marcante dos metais em várias músicas, além de umas vinhetas que se espalham por todo o disco (ou os dois discos, já que “O coração do Homem Bomba” tem dois volumes).

Durante o show, Babylon, Meu amor minha flor minha menina, Alma Nova, Salão de Beleza, Alma não tem cor, Lenha, Você não liga pra mim, Bandeira, Samba do Aproach, Toca Raul, Proibida pra Mim, Versos Perdidos, Bienal, Telegrama, Eu despedi o meu patrão, Você é má, indo ainda em Vital Farias (com Margarida) e Geraldo Azevedo (Bicho de Sete cabeças) e por aí foi se desenrolando o show de maneira espetacular.
Algumas faltas foram sentidas, pelo menos por mim, como Minha casa, Comigo, Meu amor meu bem me ame, Disritmia, Dezembros, Stephen Fry, entre outras. Mas mesmo assim, seria uma escolha bem difícil frente ao setlist do show. Impecável.

E tudo isso só mostra a maturidade de um artista que se renova a cada obra, que se dedica à composições com letras interessantes, criativas, bem-humoradas, que cativam a todos, aliadas à musicalidade que mistura influências de todo o nordeste brasileiro, numa levada dançante e envolvente algumas vezes, num romantismo falado de maneira comum em outras, em histórias de humor em outras ainda, o que mostra que já tomou definitivamente o seu lugar no cenário nacional, sendo referência cultural para o Brasil inteiro.

agosto 12, 2010

Regime de Separação de Bens não permite concorrência sucessória

Caros leitores, trata-se de julgado importante do STJ, do final do ano passado, que entende e ratifica o art. 1829 do CC, segundo o qual,
no regime de Separação Convencional, não haverá concorrência do cônjuge supérstite com os descendentes do falecido.


Direito civil. Família e Sucessões. Recurso especial. Inventário e
partilha. Cônjuge sobrevivente casado pelo regime de separação
convencional de bens, celebrado por meio de pacto antenupcial por
escritura pública. Interpretação do art. 1.829, I, do CC/02. Direito
de concorrência hereditária com descendentes do falecido. Não
ocorrência.
- Impositiva a análise do art. 1.829, I, do CC/02, dentro do
contexto do sistema jurídico, interpretando o dispositivo em
harmonia com os demais que enfeixam a temática, em atenta
observância dos princípios e diretrizes teóricas que lhe dão forma,
marcadamente, a dignidade da pessoa humana, que se espraia, no plano
da livre manifestação da vontade humana, por meio da autonomia da
vontade, da autonomia privada e da consequente
autorresponsabilidade, bem como da confiança legítima, da qual brota
a boa fé; a eticidade, por fim, vem complementar o sustentáculo
principiológico que deve delinear os contornos da norma jurídica.
- Até o advento da Lei n.º 6.515/77 (Lei do Divórcio), vigeu no
Direito brasileiro, como regime legal de bens, o da comunhão
universal, no qual o cônjuge sobrevivente não concorre à herança,
por já lhe ser conferida a meação sobre a totalidade do patrimônio
do casal; a partir da vigência da Lei do Divórcio, contudo, o regime
legal de bens no casamento passou a ser o da comunhão parcial, o que
foi referendado pelo art. 1.640 do CC/02.
- Preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o
postulado da autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente
com o direito à meação, além da concorrência hereditária sobre os
bens comuns, mesmo que haja bens particulares, os quais, em qualquer
hipótese, são partilhados unicamente entre os descendentes.
- O regime de separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.829,
inc. I, do CC/02, é gênero que congrega duas espécies: (i) separação
legal; (ii) separação convencional. Uma decorre da lei e a outra da
vontade das partes, e ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado
o regime de separação de bens, à sua observância.
- Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens,
direito à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se
o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na
morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é
herdeiro necessário.
- Entendimento em sentido diverso, suscitaria clara antinomia entre
os arts. 1.829, inc. I, e 1.687, do CC/02, o que geraria uma quebra
da unidade sistemática da lei codificada, e provocaria a morte do
regime de separação de bens. Por isso, deve prevalecer a
interpretação que conjuga e torna complementares os citados
dispositivos.
- No processo analisado, a situação fática vivenciada pelo casal –
declarada desde já a insuscetibilidade de seu reexame nesta via
recursal – é a seguinte: (i) não houve longa convivência, mas um
casamento que durou meses, mais especificamente, 10 meses; (ii)
quando desse segundo casamento, o autor da herança já havia formado
todo seu patrimônio e padecia de doença incapacitante; (iii) os
nubentes escolheram voluntariamente casar pelo regime da separação
convencional, optando, por meio de pacto antenupcial lavrado em
escritura pública, pela incomunicabilidade de todos os bens
adquiridos antes e depois do casamento, inclusive frutos e
rendimentos.
- A ampla liberdade advinda da possibilidade de pactuação quanto ao
regime matrimonial de bens, prevista pelo Direito Patrimonial de
Família, não pode ser toldada pela imposição fleumática do Direito
das Sucessões, porque o fenômeno sucessório “traduz a continuação da
personalidade do morto pela projeção jurídica dos arranjos
patrimoniais feitos em vida”.
- Trata-se, pois, de um ato de liberdade conjuntamente exercido, ao
qual o fenômeno sucessório não pode estabelecer limitações..
- Se o casal firmou pacto no sentido de não ter patrimônio comum e,
se não requereu a alteração do regime estipulado, não houve doação
de um cônjuge ao outro durante o casamento, tampouco foi deixado
testamento ou legado para o cônjuge sobrevivente, quando seria livre
e lícita qualquer dessas providências, não deve o intérprete da lei
alçar o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário,
concorrendo com os descendentes, sob pena de clara violação ao
regime de bens pactuado.
- Haveria, induvidosamente, em tais situações, a alteração do regime
matrimonial de bens post mortem, ou seja, com o fim do casamento
pela morte de um dos cônjuges, seria alterado o regime de separação
convencional de bens pactuado em vida, permitindo ao cônjuge
sobrevivente o recebimento de bens de exclusiva propriedade do autor
da herança, patrimônio ao qual recusou, quando do pacto antenupcial,
por vontade própria.
- Por fim, cumpre invocar a boa fé objetiva, como exigência de
lealdade e honestidade na conduta das partes, no sentido de que o
cônjuge sobrevivente, após manifestar de forma livre e lícita a sua
vontade, não pode dela se esquivar e, por conseguinte, arvorar-se em
direito do qual solenemente declinou, ao estipular, no processo de
habilitação para o casamento, conjuntamente com o autor da herança,
o regime de separação convencional de bens, em pacto antenupcial por
escritura pública.
- O princípio da exclusividade, que rege a vida do casal e veda a
interferência de terceiros ou do próprio Estado nas opções feitas
licitamente quanto aos aspectos patrimoniais e extrapatrimoniais da
vida familiar, robustece a única interpretação viável do art. 1.829,
inc. I, do CC/02, em consonância com o art. 1.687 do mesmo código,
que assegura os efeitos práticos do regime de bens licitamente
escolhido, bem como preserva a autonomia privada guindada pela
eticidade.
Recurso especial provido.
Pedido cautelar incidental julgado prejudicado.

agosto 11, 2010

Separação era instituto anacrônico 26/07/2010 | Autor: Paulo Luiz Netto Lôbo

Caros amigos, vários especialistas no Direito familiarista tem discutido acerca da manutenção ou revogação dos artigos do Código Civil que tratam da separação judicial, após a promulgação da Emenda Constitucional nº 66. Segue breve artigo do Prof. Paulo Lobo, publicado no jornal "Folha de São Paulo" sobre a temática, ressaltando que a revogação foi automática e que, na prática, nao cabe mais falar no instituto da separação.

Boa leitura a todos!
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Para se divorciar, o casal necessitava promover, antes, a separação judicial ou comprovar a separação de fato por mais de dois anos. Assim determinava a Constituição, até a emenda constitucional nº 66 (EC 66), recentemente promulgada, que suprimiu esses requisitos.

A razão de ser da separação judicial, antes do divórcio, não era o nobre propósito de propiciar aos cônjuges tempo para reflexão para essa importante decisão de vida.

O fim do casamento não é fruto da irreflexão, mas epílogo do desgaste continuado ou do erro de escolha do cônjuge, de nada servindo prolongar esse sofrimento por imposição do Estado.

Esse anacrônico instituto era, muito mais, resíduo histórico da interferência religiosa na vida privada brasileira. Na Colônia e no Império, a família era regida pelo direito canônico, que apenas admite a separação de corpos, sem dissolução do casamento.

A República, que se pretendia laica, manteve a indissolubilidade do casamento e a separação de corpos canônica, dando-lhe o nome de desquite até 1977, quando foi rebatizada de separação judicial. Mas até mesmo os constituintes de 1988 não conseguiram extingui-la.

Só agora, com a EC 66, o Estado laico chegou ao casamento, consumando a liberdade de constituí-lo e dissolvê-lo. É com essa finalidade, de confiança na autonomia responsável dos cônjuges, que deve ser interpretada.

O argumento da minoria dos especialistas de sobrevida da separação, apesar da EC 66, merece respeito, mas não se sustenta. No essencial, dizem que a Constituição suprimiu os requisitos, mas não os revogou na legislação ordinária.

Há grande consenso, no Brasil, sobre a força normativa própria da Constituição, que não depende do legislador ordinário para produzir seus efeitos. As normas constitucionais não são meramente programáticas, como antes se dizia.

É consensual, também, que a nova norma constitucional revoga a legislação ordinária anterior que seja com ela incompatível. A norma constitucional apenas precisa de lei para ser aplicável quando ela própria se limita "na forma da lei".

Ora, o Código Civil de 2002 regulamentava precisamente os requisitos prévios da separação judicial e da separação de fato, que a redação anterior do parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição estabelecia.

Desaparecendo os requisitos, os dispositivos do Código que deles tratavam foram automaticamente revogados, permanecendo os que disciplinam o divórcio direto e seus efeitos. O entendimento de que permaneceriam importa tornar inócua a decisão do constituinte derivado e negar aplicabilidade à norma constitucional.

Esse argumento equivocado reaparece sempre que a Constituição promove alterações profundas na vida privada. O mesmo ocorreu quando ela instituiu, em 1988, o revolucionário princípio da igualdade entre os cônjuges, não faltando quem sustentasse que os direitos e deveres desiguais entre marido e mulher permaneceriam até que o Código fosse alterado, o que só ocorreu em 2002.

Ainda bem que nossos tribunais sempre aplicaram imediatamente o princípio. Mais: o Código de 2002 não trata da família monoparental (um pai ou mãe, apenas, com seus filhos) protegida pela Constituição, mas o juiz não precisa de lei ordinária para assegurar seus direitos.

Não podemos esquecer da antiga lição de, na dúvida, prevalecer a interpretação que melhor assegure os efeitos da norma, e não a que os suprima. Isso além da sua finalidade, que, no caso da EC 66, é a de retirar a tutela do Estado sobre a decisão tomada pelo casal.

Paulo Luiz Netto Lobo é diretor regional do IBDFAM Nordeste, advogado, ex-ministro conselheiro do CNJ, membro da International Society of Family Law e doutor em Direito Civil pela USP.

Fonte: Jornal Folha de São Paulo, Opinião: Tendências e Debates, Sábado 24/07/2010